Coringa é o filme do ano. Ponto. Foi o primeiro pensamento que tive ao sair da sala de cinema lotada da cabine de imprensa. O clima era contagiante. A maioria saía da sala puxando o celular do bolso e mandando mensagens alertando os amigos e colegas de trabalho para se prepararem porque o filme era foda. Outros já gravaram stories afirmando “É Oscar”.
Um filme solo do Coringa se tornou um sonho possível desde a performance de Heath Ledger em ‘Batman e o Cavaleiro das Trevas’ que lhe garantiu Oscar de melhor ator coadjuvante (Ainda que Joker tenha carregado o filme nas costas). Contudo Coringa é um personagem que necessita muito mais do que um excelente ator para lhe dar vida, é necessário um diretor que saiba como contar a sua história e Todd Phillips fez isso com maestria.
Quando foi anunciado de que ‘Joker’ não teria nenhum vínculo com as hq’s (além do próprio personagem) alguns fãs e leitores assíduos torceram o nariz, já que a expectativa de assistir quem sabe ‘A Piada Mortal’ nos cinemas caiu por terra. O que eu não entendo, já que O Cavaleiro das Trevas e Joker já mostraram que Coringa é maior do que o próprio universo de origem.
Coringa é um dos personagens mais complexos e ricos já existentes, com diversas camadas, densas, e profundas. Sempre tive dificuldade em compreender a mente de Arthur, e Joker nos ajuda nos levando a mergulhar na psique* do Coringa.
Em Joker conhecemos Arthur Fleck, um homem que está vivendo no limite, cuida sozinho da mãe doente, trabalha em um lugar que odeia e que, só paga o suficiente para ele e a mãe, LITERALMENTE, sobreviverem em um apartamento sujo e caindo aos pedaços, em uma cidade falida, suja e infestada de ratos. Arthur está a beira do colapso mental e a única coisa que o impede de cruzar a linha é: a esperança de realizar seu sonho de se tornar um comediante, seus delírios com o ídolo, o afeto de sua mãe e os diversos remédios que toma para minimizar os sintomas de um transtorno neurológico que o mesmo não compreende bem.
O filme nos apresenta um personagem comovente, a todo momento sentimos empatia, e ouso dizer que, até nos identificamos com Arthur. Seja por crises sociais que afetam diretamente na nossa vida, como desemprego, que além de afetar o status socioeconômico, também afeta diretamente a auto estima, já que vivemos em uma sociedade onde é priorizado o ‘ter’ e não o ‘ser’, onde bens de consumo são mais interessantes do que a capacidade de sentir empatia. Ou seja também pelo chefe escroto que desconta do seu salário por prejuízos que não estão ao seu alcance evitar.
Joker é um antagonista que não conseguimos enxergá-lo como um vilão. A proposta é ousada e perigosa, já que a Warner, Todd Phillips e Joaquin Phoenix (Intérprete de Joker) já foram postos em ‘saia justa’ quando perguntados sobre quais os impactos que, humanizar um vilão maníaco pode causar naqueles que se sentem injustiçados socialmente e acreditam que a única maneira de se comunicar é através da violência?
O debate sobre os impactos que a arte, mesmo representando a realidade, pode causar na vida dos espectadores é válida, contudo, acredito que o debate precisa ir além como: Como um paciente psiquiátrico tem fácil acesso a bombas e armas de fogo? Joker é uma representação crítica da própria realidade, não uma ode aos assassinos e incels* (Como já foi acusado). O filme consegue mostrar até que ponto, questões sociais podem impactar no senso de valor que um cidadão tem de si mesmo. Como a negligência por parte da família e do estado podem contribuir no agravante de doenças mentais. E como o estado Norte Americano é irresponsável e dolosamente genocida com a política de armamento.
É um filme genial, corajoso e exatamente o que a Warner precisava para inaugurar uma nova era de suas adaptações. Finalmente parece que eles entenderam que, as histórias da DC não cabem no formato Family Friendly Família do Comercial de Margarina do Mainstream. Até que enfim, conseguiram trazer essência e compreenderam que não se faz filme só com referências a obra original.
*Crítica escrita pela parceira Amanda Oldman